ISABEL KERSHNER
DO "NEW YORK TIMES"
No auge da seca, o jardineiro israelense Chabi Zvieli temeu por sua subsistência. Um pesado imposto havia passado a incidir sobre o consumo excessivo de água para fins domésticos. Muitos dos clientes de Zvieli aderiram à grama sintética e trocaram as flores sazonais por plantas nativas, mais resistentes. "Eu me preocupava com o que iria acontecer com a jardinagem", disse Zvieli, 56.
Em todo o país, os israelenses foram orientados a tomar banhos de no máximo dois minutos. Lavar carros com mangueiras foi proibido, e só quem era rico o suficiente para absorver o custo da manutenção de um gramado foi autorizado a regá-lo -ainda assim, só à noite. "Estivemos numa situação muitíssimo próxima de alguém abrir a torneira em algum lugar do país e não sair água", disse Uri Schor, porta-voz da Autoridade Hídrica do governo.
Uriel Sinai/The New York Times
Turistas nadam em piscina do hotel Beresheet no deserto de Negev, em Israel
Isso foi há cerca de seis anos. Hoje, há água em abundância em Israel. "O medo passou", disse Zvieli.
A revolução aconteceu em Israel. Um grande esforço nacional para dessalinizar água do Mediterrâneo e reciclar águas residuais proporcionou ao país água suficiente para todas as suas necessidades, mesmo durante as secas graves. Mais de metade da água destinada às famílias, à agricultura e à indústria em Israel atualmente é produzida artificialmente.
"Não há hoje em dia nenhum problema com a água", disse Shaul Ben-Dov, engenheiro agrônomo de Ramat Rachel. "O preço é mais elevado, mas podemos viver uma vida normal em um país que está no meio do deserto."
Israel sofreu por décadas com a escassez e superexploração de seus recursos hídricos. A água doce natural à disposição de Israel em um ano médio não atende o uso total, em torno de 2 trilhões de litros. A demanda por água potável deverá aumentar do atual 1,2 trilhão de litros para 1,95 trilhão até 2030.
A reviravolta veio com uma seca de sete anos, iniciada em 2005, que atingiu o seu auge no inverno boreal de 2008 para 2009. As principais fontes naturais de água do país -o mar da Galileia, ao norte, e os aquíferos das montanhas e da costa- foram esvaziados, o que ameaçou causar uma deterioração irreversível na qualidade da água. Medidas para aumentar a oferta e reduzir a procura foram aceleradas, sob a supervisão da nova Autoridade Hídrica.
Quatro grandes usinas privadas de dessalinização entraram em operação ao longo da última década. Uma quinta deve estar pronta dentro de alguns meses. Juntas, elas produzirão mais de 492 bilhões de litros de água potável por ano, com a meta de chegar a 757 bilhões de litros até 2020.
Israel, nesse período, tornou-se líder mundial na reciclagem de águas residuais para a agricultura. O país trata 86% do seu esgoto doméstico, reciclando-o para uso agrícola -volume que representa cerca de 55% de toda a água utilizada na agricultura. A Espanha, segunda colocada nesse ranking, recicla 17% de seus efluentes, segundo dados da Autoridade Hídrica israelense.
O governo de Israel começou fazendo cortes nas quotas anuais de água aos agricultores, encerrando décadas de uso extravagante e fortemente subsidiado de irrigação agrícola.
A sobretaxa para o uso doméstico foi adotada no final de 2009, e um sistema tarifário com duas alíquotas passou a vigorar. O uso regular da água para fins domésticos agora é subsidiado pelo imposto ligeiramente superior que os usuários pagam quando ultrapassam o consumo básico.
Funcionários da Autoridade Hídrica foram de casa em casa oferecendo a instalação em chuveiros e torneiras de dispositivos gratuitos que injetam ar no fluxo de água, reduzindo o consumo em cerca de um terço e ainda dando a sensação de um fluxo mais forte.
Autoridades dizem que o uso mais consciente da água levou a uma redução de até 18% no consumo das famílias.
Empresas locais substituíram autoridades municipais na manutenção da rede de água de cada cidade. O dinheiro arrecadado com a cobrança da água é reinvestido na infraestrutura.
Menehem Kahana - 8.abr.15/AFP
Colonos israelenses brincam em aqueduto na Cisjordânia durante feriado judaico
A Mekorot, empresa nacional de águas, construiu há 50 anos um sistema destinado a transportar água do mar da Galileia, ao norte, até o árido sul, passando pelas áreas populosas do centro. Atualmente, a companhia constrói uma nova infraestrutura para levar água da costa do Mediterrâneo para o interior do país.
A dessalinização, durante muito tempo rejeitada devido ao elevado consumo de energia do processo, está se tornando mais barata, mais limpa e mais eficiente do ponto de vista energético, graças ao avanço tecnológico. Sidney Loeb, cientista americano que inventou o popular método de osmose reversa, veio morar em Israel em 1967 e ensinou os técnicos daqui.
A usina de dessalinização Sorek destaca-se no solo arenoso, cerca de 15 km ao sul de Tel Aviv. Apontada como a maior usina desse tipo no mundo, produz 151 bilhões de litros de água potável por ano, o suficiente para cerca de um sexto da população de Israel, de aproximadamente 8 milhões.
Sob um arranjo complexo, as usinas serão transferidas para a propriedade estatal após 25 anos. Por enquanto, o Estado compra água dessalinizada da Sorek a US$ 0,58 por metro cúbico, um preço relativamente baixo.
Alguns israelenses ironizam a atual revolução hídrica. Tsur Shezaf, que cultiva vinhas e azeitonas no Negev, no sul, argumenta que a dessalinização é essencialmente uma privatização do abastecimento da água em Israel, beneficiando alguns magnatas, enquanto a reciclagem para a agricultura permite que o Estado venda duas vezes a mesma água.
Ambientalistas israelenses dizem que a febre da dessalinização ocorreu em detrimento de alternativas como o tratamento das reservas hídricas naturais que foram poluídas por fábricas, em especial as indústrias militares. Eles também dizem que o método de colher a água para dessalinização em alto-mar, como fazem as usinas israelenses, pode destruir a vida marinha, ao sugar ovas e girinos.
Menehem Kahana/AFP
Pessoas se refrescam em fonte de Jerusalém durante onda de calor
Num lugar seco como o Oriente Médio, a água também tem implicações estratégicas. Disputas entre Israel e seus vizinhos árabes pelos direitos da água na bacia do rio Jordão contribuíram para as tensões que levaram à Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Israel, que partilha o aquífero das montanhas com a Cisjordânia, diz fornecer aos palestinos mais água do que seria a sua obrigação conforme os acordos de paz em vigor. Os palestinos dizem que o volume não é suficiente e é muito caro. Uma nova era de generosidade hídrica poderia ajudar a fomentar as relações com os palestinos e com a Jordânia.
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